Zanella & Moscardi
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Casa que abrigou a exposição modernista em 1930
octogenária, mas moderninha
por Maria Eugênia de Menezes
Dependurada em cima do portão de ferro, uma faixa branca anunciava: Exposição. E foi assim que, aos poucos, os visitantes começaram a chegar. Mario de Andrade, Guilherme de Almeida e Oswald de Andrade acorreram para ver o que havia ali de tão especial, mas não foram os únicos a aparecer.
Em menos de um mês, mais de 20 mil pessoas passaram pelo endereço. Todas interessadas em ver as obras de arte moderna expostas -telas de Tarsila do Amaral, esculturas de Brecheret- e também em descobrir aquela construção de linhas retas, tão diferente de todas as outras que havia na São Paulo de 1930.
Foi na rua Itápolis, uma via de terra em um Pacaembu quase desabitado, que Gregori Warchavchik construiu a sua casa modernista. O feito estampou os jornais, impactou a intelectualidade da época e, instantaneamente, tornou-se um marco da arquitetura brasileira.
Uma história que deve ser retomada no próximo dia 26, quando, exatos 80 anos depois, o local voltará a estar aberto ao público. Após submeter a construção a um longo restauro, Carlos Eduardo Warchavchik, neto do arquiteto, uniu-se ao Museu da Casa Brasileira e decidiu organizar uma nova exposição -tudo nos mesmos moldes daquela feita por seu avô.
Até o final de abril, será possível desvendar o interior da casa, conhecer os móveis que Warchavchik desenhou especialmente para o espaço, uma série de fotografias dos anos 1930 e 1940, além de documentos e plantas de seus outros projetos. Um antigo filme mudo, que documenta a inauguração do espaço, também será exibido.
A ideia de reabrir a casa surgiu por acaso. “Não foi planejado, mas, quando percebi que a inauguração estava completando 80 anos, achei que era um bom momento para relembrar a obra dele”, diz o neto, ele também arquiteto. “Mesmo com a casa fechada, recebíamos pedidos de estudantes de arquitetura da Suécia, da Alemanha que vinham até aqui para conhecê-la.”
Uma nova arquitetura
A casa modernista ficou conhecida como tal em função da exposição que abrigou, mas sua concepção não destoa dos trabalhos anteriores de Warchavchik. Já em 1927, o arquiteto ucraniano havia testado os preceitos de uma nova estética ao construir sua própria residência na Vila Mariana.
Muito antes de pioneiros como Lucio Costa e Flávio de Carvalho, Warchavchik levantou aquele que é saudado como o primeiro exemplar de arquitetura moderna do país. Livre dos adornos neoclássicos que ainda caracterizavam as casas paulistanas da época, o projeto de ângulos retos e fachada limpa causou alvoroço.
Muitos reconhecem, porém, que foi apenas na casa da rua Itápolis que o arquiteto alcançou a maturidade do seu trabalho. “É como se essa obra fosse a tradução de tudo aquilo que ele havia defendido anos antes, quando escreveu o manifesto ‘Acerca da Arquitetura Moderna'”, explica Paulo Mauro de Aquino, arquiteto responsável pela organização do acervo.
Publicado em 1925, no diário carioca “Correio da Manhã”, o libelo defendia uma arquitetura que tivesse como base a economia e a funcionalidade dos espaços. E era justamente isso que a casa modernista contemplava. A residência da Vila Mariana ainda estava em um lote quase rural, tinha telhas coloniais. “E também era uma obra em que ele precisou atender as necessidades da família, fazer concessões. O projeto da rua Itápolis, não. É de uma modernidade radical”, argumenta Ilda Castello Branco, curadora de uma exposição simultânea sobre a obra do arquiteto que acontece no Museu da Casa Brasileira.
Lá, o público poderá observar as maquetes das duas casas e também fotografias de outros trabalhos célebres de Warchavchik, como as residências da rua Bahia, também no Pacaembu, e da rua Toneleros, no Rio de Janeiro.
Para Miriam Lerner, diretora do MCB, a abertura da casa da rua Itápolis ao público pode ser “uma maneira de chamar a atenção para a preservação do patrimônio”. Desde 1986, a edificação figura como um dos poucos bens paulistanos tombados como patrimônio nacional pelo Iphan.
Depois do Municipal
Reunir obras de arte moderna em um espaço com o mesmo estilo arquitetônico pode soar trivial hoje. Mas a “Exposição de uma Casa Modernista”, em 1930, foi a primeira ocasião em que se colocou essa ideia em prática.
“Era uma espécie de atualização da Semana de 1922”, comenta o arquiteto José Armênio de Brito Cruz, do escritório Piratininga, que também produz a nova exposição no espaço. Tudo aquilo que foi apresentado no Teatro Municipal podia, enfim, ser visto dentro de um ambiente moderno. “Havia uma profunda ligação entre essa proposta de arquitetura e a arte que se fazia na época. Eles formavam uma grande turma de amigos.”
Não eram só os traços arrojados da construção que combinavam com as obras de Tarsila do Amaral, Anita Malfatti e Lasar Segall. O jardim, concebido por Mina Klabin, mulher de Warchavchik, foi um dos primeiros projetos paisagísticos a priorizar as plantas brasileiras.
Já dentro da casa, apareciam móveis futuristas e luminárias que lembravam os preceitos da Bauhaus. Ambos desenhados pelo próprio Warchavchik, que, além de assinar os projetos, criou uma marcenaria e uma serralheria para executá-los. “Toda essa questão da vanguarda aparecia incorporada ao mobiliário”, lembra José Armênio. “O que surgia nas suas obras era uma proposta integral, que abrangia desde os móveis até um pensamento de país.”
Para conferir
Casa Modernista. R. Itápolis, 961, Pacaembu, tel. 3661-5066. Exposição: de 26/3 a 21/4. Qua. a sex.: 13h às 18h. Sáb. dom. e fer.: 10h às 18h. Grátis.
Museu da Casa Brasileira. Av. Faria Lima, 2.705, Jardim Paulistano, tel. 3032- 5066. Exposição: 23/3 a 18/4. Ter. a dom.: 10h às 18h. Ingr. R$ 4.(Dom. e fer.: grátis). Visitas monitoradas à Casa Modernista podem ser agendadas pelo tel. 3032-2564. Sáb.: 10h, 11h, 14h e 15h. Dom.: 14h e 15h. Grátis.
Além da casa da rua Itápolis, outros dois projetos de Gregori Warchavchik em São Paulo são reconhecidos pelo Iphan como patrimônio nacional.
CASA RUA SANTA CRUZ
Construída em 1927, na Vila Mariana, a casa é reconhecida como primeira obra de arquitetura moderna do país
R. Santa Cruz, 325, Vila Mariana, tel. 5083-3232. Ter. a dom.: 9h às 17h.
CASA RUA BAHIA
Assim como a residência da rua Itápolis, foi projetada em 1930. É considerada a mais bem acabada obra do repertório do arquiteto
R. Bahia, 1.126, Pacaembu, tel. 3663-4975. Visitas podem ser agendadas.
Fonte: Revista da Folha